quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Olhos que enxergam a alma

Olhos que enxergam a alma

Porque, sendo mulher, não posso dizer a outra mulher: “você tem olhos lindos?”
Engraçado como pequenas coisas despertam grandes questionamentos. Vi uma moça hoje no ônibus e achei seus olhos bonitos. Como diz uma letra de música hoje acordei com vontade de “bater na porta do vizinho e desejar bom dia” e me deu vontade de dizer à moça: “Bom dia moça, os seus olhos são muito bonitos”. Imediatamente a esse “pensamento absurdo” uma voz dentro de mim disse: “Tá louca? Isso vai parecer uma cantada, não pode fazer isso!”. Claro que desisti do eleogio que podia “pegar mal”, como eu e a maioria das pessoas já desistiu várias vezes. E, de fato, anda tinha a ver com uma cantada.
Vivemos desistindo de acarinhar aqueles que gostamos seja com um beijo, um sorriso, uma palavra por medo que pareça ter no nosso ato “segundas intenções” que nem existem, mas “vai saber o que o outro vai pensar”, e de sorrir para um estranho na rua pelo mesmo medo. Vimemos deixando de lado o fato de que somos todos pessoas.
Mas dessa vez, essa minha desistência besta fez despertar uma outra voz aqui dentro, uma voz que vem cutucando e querendo muito se fazer audível, que respondeu à primeira voz: “Porque não posso?”. Não teve resposta. E não teve porque eu posso sim.
Aquela primeira voz representa o mundo cheio de regras estúpidas que vivemos, regras que nós criamos e nos impomos para nos esconder atrás de uma máscara de convenções que nos dá a ilusão de que tudo é mais fácil. E andamos por aí, com a nossa muralha de proteção que nos defende do outro e de nós mesmos e que apesar de pesada carregamos por toda parte.
A segunda voz representa o que há de mais verdadeiro em nós, o “essencial e invisível aos olhos” e é tão sufocada, aprisionada, espremida que se torna quase surda, mas quando se faz ouvir tem a força de uma erupção ou, como alguém já disse, do rufar de um milhão de tambores.
Esse primeiro questionamento desencadeou outros e me veio um pensamento: e daí se o elogio aos olhos da moça fosse uma cantada?
Estamos sempre reclamando da falta de amor. É tão estranho querer tanto, buscar tanto algo que nem sabemos o que é. Amor.
E esse pequeno acontecimento, que nem DEVIA ter grande importância me deu vontade de falar sobre o que eu penso do amor, desse tipo de amor (se é que sentimento tem tipo) que convencionalmente se classifica de “amor carnal” ou “amor homem x mulher”. Bom, sentimento é coisa de alma, não de carne e “homem x mulher” procura limitar o que não tem limites, que simplesmente é, indiferente de sexo, cor, credo e qualquer regra.
Nós regramos o amor, conceituamos, para depois esperar por ele dentro dos parâmetros que está descrito de forma “absoluta” e “irrevogável”, o Decreto 666 sobre as regras do amor, que diz:

PARÁGRAFO 1º: fica definido que pessoas que queiram ter o direito de ser plenamento feliz se encaixem nas regras abaixo e passem doravante a ser chamadas somente de heterossexuais.
1- Homens DEVEM amar mulheres
2- Mulheres DEVEM amar homens
Nunca, em hipótese alguma, é permitido a eles mudar de opção, sob pena de perder o direito à felicidade.

PARÁGRAFO 2º (à título de excessão)
Desde que estejam conscientes e de acordo com uma vida de infelicidade plena, pessoas que assim o quiserem tem permissão de viver segundo as regras abaixo, desde que não firam as regras do amor e da vida em sociedade e serão doravante chamadas de homossexuais.
1- Homens se relacionam sexualmente com homens
2- Mulheres se relacionam sexualmente com mulheres
Em tempo: fica definido também, que os relaciomentos citados acima, bem como outros relacionamento como homens e mulheres que se relacionem tanto com o proprio sexo como o oposto, doravente chamados de bissexuais, nada tem a ver com amor que é exclusividade de relacionamentos convencionais.



É… o texto do tal decreto imaginário pode parecer estranho, agressivo até, mas parece ser assim que muita gente vê o amor. E ainda assim querem amar.
Voltando aos “porques”:
Porque não posso, jamais, amar alguém do mesmo sexo que eu? Porque não posso amar de novo e dessa vez alguém do sexo oposto? Porque não posso amar alguém do sexo oposto que ama pessoas do mesmo sexo e até, que nunca amou alguém de outro sexo? Porque não posso mudar de opção? Porque não posso passar a vida toda com a mesma opção, seja ela qual for? Porque temos que ficar em prateleiras com rótulos estúpidos colados na barriga? Porque temos que limitar o que não tem limites, o que não escolhe através de regras aritméticas? Porque não podemos amar sem amarras se a única coisa que queremos é encontrar o amor (e como ele vai nos encontrar se corremos o risco de não reconhecê-lo por já tê-lo definido de outra forma) Porque não podemos? Podemos sim! Devemos! Por nós… para experimentar o amor como ele é e não conhecemos.
Porque o amor é um sentimento e sentimento não lê rótulo.

Rita Brafer